2 de jun. de 2011

Imagens alheias

Toda imagem que se preze é alheia a quem a produz.
Ela é encontro entre meu olho e eu mesmo, entre as vozes que me atravessam e meu olho, entre o filmado e a tecnologia, etc. 
Toda imagem é sempre a alheia a quem a vê, é sempre a imagem de um outro. Mas, ver uma imagem é toma-la para si, fazer dessa imagem a minha imagem.
Mas, o que podem as imagens?
Duas coisas. Elas podem ganhar pertencimento fixos – autores, informações, provas. Ou seja, podem encontrar uma finalidade.
Ou, melhor seria, elas podem continuar seus caminhos em que o pertencimento é inseparável do não-pertencimento.
Papel do espectador: fazer suas as imagens que lhe permanecem alheias.

Palocci e Ana de Hollanda, crises de naturezas distintas.

Depois da crise no Minc, o governo e a grande mídia parecem ocupados agora com a crise na Casa Civil, com Antonio Palocci. A princípio pode parecer apenas uma substituição de preocupações ou de pauta, entretanto, trata-se de dois tipos de crise, duas naturezas de crise.

A crise Palocci é a crise de sempre. No centro da máquina estatal uma peça fundamental é acusada de utilizar a máquina em seu favor. Trata-se de uma  crise grave, mas com a qual o estado está acostumado a lidar. Ela parte de denúncias de opositores políticos que a mídia, com razão, noticia e, a partir daí, uma série de opositores é mobilizada. Nessa crise há uma triangulação clara e contínua que envolve disputas palacianas, grande mídia e público passivo e indignado.

Independente da gravidade dessa crise específica, ela é parte do que há para ser administrado politicamente por qualquer governo, ela é da lógica do poder contemporâneo. Não há novidade para o poder, não há novidade para mídia e nem para o público. Os operadores do ataque e da defesa são conhecidos, bem como suas estratégias. No limite há apenas tristes trocas de nomes.  Quando a crise Palocci acabar, outra virá, com os mesmos termos: denúncias de corrupção, de uso dá máquina, de tráfico de influencia, etc.

A crise do Minc é de outra ordem e é isso que a política da Presidenta Dilma parece não entender. Depois de criticada, Ana de Hollanda não somente se absteve de abrir um diálogo com os críticos, como radicalizou o discurso. Em todas as suas falas ela fez questão de menosprezar os críticos além de reforçar constantemente uma visão privatista e espetacular da cultura.

Ana de Hollanda na abertura de simpósio sobre a Reforma dos Direitos Autorias (31.05.2011)
“Sim: é na lógica do mercado, na lei da oferta e da procura, no mundo mais difícil do jogo econômico, da remuneração da força de trabalho, que o criador conquista a sua independência, demarca o seu território específico, conquista a sua autonomia”

Bem, associar mercado e independência artística dessa maneira é de uma sinceridade liberal como raramente temos visto. Ana de Hollanda não tem nada para esconder, sua transparência é perturbadora. Uma transparência que é a própria morte da política, como diria o Bruno Latour.

Mas, voltemos à crise. Porque ela é de outra natureza?

Passados quatro meses de críticas intensas e que começaram no dia seguinte à posse da Ministra, Ana de Hollanda não abriu diálogo com os críticos, não matizou em nada os gestos e discursos, como o que transcrevi acima. Para o atual ministério, os entusiásticos apoiadores da eleição de Dilma se tornaram inimigos. A cultura que fora decisiva para que muitos apoiassem Dilma se tornara um estorvo para o atual MinC.

Como a crítica foi desconsiderada e o diálogo não se estabeleceu, ela acabou ganhando outros rumos, outras formas e focos. O governo adoraria dizer que uma vez que a ministra não caiu e que as críticas diretas diminuíram é sinal de que a crise acabou. Na minha opinião o melhor para o governo seria manter a crise no MinC. Contudo, não é isso que temos visto.

O que parece absolutamente singular nessa crise do MinC é que, à diferença das crises de estado, como a do Palocci, esta não se resolve com uma troca de nomes, ela não depende da grande mídia e nem é parte de uma triangulação entre articulações palacianas e mídia em que a população é espectadora. Trata-se de uma crise com outra lógica. Ela se espalha capilarmente minando o governo Dilma na base, afetando uma rede de apoiadores que articulam outras redes muito amplas de comunicação. As redes que apoiam Dilma sabem da importância transversal e democratizante da cultura no mundo contemporâneo e se não é com o apoio do MinC que essa cultura se potencializará, isso se torna secundário. Sem críticas diretas ao Governo, os desdobramentos da crise do MinC ganham proporções que começam a se tornar irreversíveis. É uma crise viral, absolutamente horizontal. No momento que ela parece menor ela se torna incontrolável.

Muito mais do que uma crise de nomes, trata-se de uma abalo na confiança de uma multidão que, longe da grande mídia, ocupa as redes virtuais e as ruas.